ESG é processo e, não, linha de chegada.

Muito se fala neste acrônimo, mas poucos param para pensar no que representa de fato.

ESG também não é novidade, apenas uma nova roupagem para tentar sanar problemas antigos, só que, agora, com o apelo financeiro e mercadológico.

Há muito se fala em problemas ambientais advindos do modo de exploração do sistema capitalista de produção, muito bem exemplificado na frase “há quem passe por um bosque e só veja lenha para queimar” León Tolstói. Isto, significa uma visão reducionista de curto prazo, que não enxerga a complexidade dos sistemas ecológicos, a não ser como recurso a ser explorado para ganhos imediatos, como se não houvesse o amanhã, também conhecido como “A tragédia dos comuns”, parafraseando Hardin, 1968.

Nesta mesma pegada, a visão de que a empresa, em um toque de mágica precisar ser ESG, do dia para noite, tem levado a muitos enganos, para não falar nos vários ‘washings’ observados (greenwashing, socialwashing, pinkwashing) e outros.

Para começar, o processo precisa partir do coração da empresa e, não, dos departamentos de marketing. Ou seja, do propósito da empresa, sua razão de existir e de como o seu negócio contribui para o bem-estar da sociedade.

Sabendo disso, é reconhecer sua matriz de risco, também conhecida como matriz de materialidade e ver de que forma sua empresa impacta o meio ambiente, encarando as externalidades negativas e, não mais achando que são inevitáveis para o processo de desenvolvimento. O fato é que, com o estágio atual de degradação ambiental, fala-se até em dupla materialidade – o caminho inverso – e observar onde o meio ambiente pode afetar seu processo produtivo. Afinal, temos a crise hídrica, energética e sanitária que também acabam por intervir nos processos produtivos e, consequentemente, nos lucros empresariais deixando claro que não existimos em um vácuo.

Então, com a tripla crise – da emergência climática, da biodiversidade e da poluição -, reverberando em outras crises – hídrica, energética, sanitária, econômica, política e social – só vem corroborar com a tese, de que o mundo todo está conectado e, para desafios complexos, problemas em rede, também precisamos de soluções conjuntas, em rede, para o bem maior, qual seja, o bem-comum (pessoas, prosperidade, planeta).

Não há mais tempo a esperar. A comunidade científica e os relatórios do IPCC há muito já nos alertavam para o fato, todo mundo ouve, mas ninguém escuta. Agora, é chegada a hora de não só falar e começar a agir de fato, não importando o tamanho da ação, desde que ela venha repleta de boas intenções, coragem e vontade de fazer a diferença, pois a corrida contra o tempo já chegou, estamos cada vez mais próximos e cientes dos eventos climáticos críticos e recorrentes.

Cada vez mais presentes no cotidiano dos países, os eventos climáticos não alcançam a todos da mesma maneira e reproduzem o mesmo paradigma da injustiça social, desta vez, travestida de injustiça climática, de racismo ambiental perpetuando os padrões de desigualdade há muito conhecidos, propalados e pouco efetivamente solucionados.

Mas este não é o tema deste post e, sim, a questão de por onde começar a mudança em prol do mundo, ou como diz a Sonia Consiglio, EESG, do inglês, econômico, ambiental, social e da governança.

Mas que fique claro, isto não quer dizer que o ESG vai priorizar o ambiental e/ou social em detrimento do econômico. Mas que por meio de uma boa governança, vai internalizar as questões ambientais e sociais, de maneira integrada, para que o econômico seja acompanhado de boas práticas que demonstrem o estágio de maturidade das organizações e, além de agradar o mercado, os acionistas, será dentro de um espectro de valores compartilhados, sendo ambientalmente responsável, socialmente aceito e economicamente viável. Com isso, por meio desta integração, espera-se que a empresa mantenha sua ‘licença social’ para continuar suas operações em um mercado cada vez mais exigente, onde as pressões buscam um olhar para os impactos positivos de sua atividade.

Claro que o lucro é importante, caso contrário não haveria motivo da constituição de uma empresa, mas este lucro só faz sentido se vier acompanhado da visão para ‘além do tijolo’ e, sim, considerando o conjunto da obra. Nisso, o ESG deve ser encarado como um processo e, não, um fim. E o início deste processo é a verificação, com suas partes interessadas (stakeholders), de quais são os impactos negativos e positivos do seu negócio na sociedade e no meio ambiente e agir sobre eles.

Como? É o que vou tentar discorrer daqui para frente…

Maximizando os impactos positivos e minimizando os impactos negativos, dado que ESG é sobre transparência, identificação de riscos e assumir responsabilidade (advocacy).

De forma clara, como sua empresa lida com mudanças climáticas, se ela tem programa de redução de emissões, se reporta suas emissões e se faz parte da força tarefa sobre divulgações financeiras relacionadas ao clima (TCFD)?

Sua empresa tem algum programa de eficiência no uso da água, faz reuso, calcula sua pegada hídrica e tem intenção de diminui-la? Faz parte de algum projeto como o da TNC de coalizão cidades pela água ou projeto bacias, do governo federal, para recuperação de bacias hidrográficas?

No Social: sua empresa tem programa de saúde e segurança ocupacional?  Tem política de diversidade e inclusão, equidade de gênero, possui mulheres em cargo de liderança e nos conselhos?

Sobre a Governança: sua empresa tem código de conduta atualizado, comitê de ética, canal de denúncias independente, ações anticorrupção, compliance, gestão de riscos, transparência fiscal?

Feita esta avaliação 360º é chegada a hora de escolher quais temas terão foco e farão parte da espinha dorsal por onde sua empresa começará a agir. Para isso, é importante estar alinhado aos movimentos internacionais e o grande ‘to do list’ que é Agenda 2030 da ONU, com seus 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.

Mais uma vez, não precisa abraçar todos, e, sim, escolher por meio de um processo de escuta ativa com seus stakeholders, aqueles que fazem mais sentido, e estão alinhados ao propósito da empresa, sua razão de existir, em um processo de alinhamento de expectativas, fortalecimento de relações com outros atores para uma linguagem comum e finalidade compartilhada.

Passo dois: selecionar indicadores, coletar dados e definir prioridade. Afinal, nem todos os ODS serão igualmente relevantes para sua empresa. E, nenhuma ação será levada adiante, se não estiver alinhada ao seu negócio principal (core business).

 Passo três: considerar cuidadosamente o nível de ambição da sua empresa com relação às metas. Metas ambiciosas geram maiores impactos e um desempenho melhor que as metas modestas. Contudo, de nada adianta metas ambiciosas que não sejam factíveis.

Mediante o estabelecimento do desempenho que é projetado, sua empresa estimulará outro pilar importante da governança que é a inovação e transformação, incentivando a criatividade. Outro ponto importante é tornar as metas públicas, pois ao assumir compromissos poderá inspirar e engajar funcionários, colaboradores e sócios comerciais, além de fornecer uma boa base para o diálogo construtivo com as outras partes interessadas externas.

Passo quatro: Integração. A liderança ativa do CEO e dos gerentes seniors é a chave para o sucesso de qualquer tipo de mudança organizacional significativa. Nenhuma ação será efetiva e atingirá o engajamento necessário se não houver o claro comprometimento da alta liderança para que as ações sejam cascateadas em um movimento “top-down”, por meio de treinamentos, informes e workshops.

Passo cinco: Relato e Comunicação. É importante que façam esta comunicação para engajamento e apoio dos stakeholders (partes interessadas). Contudo, tão importante quanto comunicar é valer-se de padrões internacionalmente aceitos e reconhecidos para os relatórios de sustentabilidade, tais como os oferecidos pela GRI (Global Reporting Initiative) e/ou mecanismos de relatório tais como CDP (Carbon Disclosure Projecto) ou CED Water Security Reporting Guidance. Ademais, que sejam, preferencialmente, auditados por terceiros, a fim de oferecer maior confiabilidade aos relatos.

Dito isso, seja por convicção, conveniência ou constrangimento, o ‘business as usual’ não é mais uma opção. O mundo mudou e as transformações estão ocorrendo em uma velocidade e intensidade jamais vistas.

Ou as organizações desaprendem e reaprendem, ou vão perder cada vez mais espaço num mundo cada vez mais conectado e influenciado pelas mídias digitais e a política do cancelamento.

O próprio Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, ciente deste movimento, revisitou suas práticas e, desde 2020, vem propondo uma Agenda Positiva de Governança em 6 pilares: 1. Ética e integridade, 2. Diversidade e Inclusão, 3. Ambiental e Social, 4. Inovação e Transformação, 5. Transparência e Prestação de Contas, 6. Conselhos do Futuro, com 15 medidas para uma governança que inspira, inclui e transforma.

Assim, parece claro que, não fazer nada, pode ser uma opção muito cara em um futuro bem próximo.

Patrícia Aparecida Pereira Souza de Almeida é doutora em Ciências da Engenharia Ambiental (EESC-USP), Professora-tutora da FGV Online, Embaixadora e voluntária do Capitalismo Consciente, filial de Curitiba, Board Member e líder climática treinada pelo ‘The Climate Reality Project’.

Referências Bibliográficas:

IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Agenda Positiva de Governança. Medidas para uma governança que inspira, inclui e transforma. Disponível em: https://www.agendapositivadegovernanca.com/

GRI; Pacto Global; WBCSD. SDG Compass – Diretrizes para a implementação dos ODS na estratégia de negócios. Disponível em: https://sdgcompass.org/wp-content/uploads/2016/04/SDG_Compass_Portuguese.pdf

Pacto Global Rede Brasil. ESG – Entenda o significado da sigla ESG (Ambiental, Social e Governança) e saiba como inserir estes princípios em sua empresa. Disponível em: https://www.pactoglobal.org.br/pg/esg

WBCSD. Guia para CEOs sobre os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: https://d335luupugsy2.cloudfront.net/cms/files/14773/1553450021Guia_CEO_ODS_digital2.pdf

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